Meu último post foi inspirado por uma perda. Não ia escrever sobre tal perda, mas acho que a pessoa merece.
Há dez anos atrás eu acordava bem cedo, porque tinha aula a tarde, para visitá-lo. Na verdade não anseava pelas visitas porque significavam dor e algumas horas sem comer. Lembro do ar condicionado sempre bem forte e da sala de espera. Lembro de quando ele aparecia na porta, vindo lá de dentro e falava bem alto "E o nosso Fogão, hein?! Brincadeira, né?". Vem seu irmão primeiro, e você senta lá." . Mal respirava e já imendava "E aí como vai o seu pai ?".
A cadeira virada para aquela persiana, que limitava a vista para alguns prédios do Alfabarra, foi ficando pequena.
Entre os dez anos a mulher dele teve o terceiro filho, um menino que completou a família com as duas meninas que já tinham. Festas e festas de aniversário se passaram e meu pai sempre animando. No último ano conheci mais a filha dele, que vi crescer. Virou Botafoguense doente também.
Nunca vou esquecer o "abre a boca" saindo da menor abertura de boca possível. Por vezes soava até "abrem a bocam". Não vou esquecer o espelho na pilastra do corredor onde via o antes e depois. Não vou esquecer os chamados á Valquíria, a assistente mil em uma. "Valquíria pega ali. Valquíria segura aqui. Cospe. Valquíria atende lá". Santa Valquíria e a pistolinha de laser, que acho que é tipo um super bonder pra dente.
"Ó daqui há uma semana vc volta pra gente fechar aquilo ali tá. E ó fica umas três horinhas sem comer tá" A pergunta de praxe ultimamente era "Já largou o flamenguista, hein hein?!" "Botafoguense não pode namorar flamenguista po"
Foi num jogo do Botafogo, o assunto da maioria de nossas conversas, que nos encontramos pela última vez. Dentre tantos lugares para sentar no Engenhão, coincidentemente escolhi uma cadeira atrás da dele. Quando o vi, não acreditei. A prosa foi curta, não passou de um cumprimento, o jogo já ia começar ou já tinha começado.
Anteontem, dia 8 de outubro, um dente meu que nunca doeu, doeu o dia todo. Por isso, pensei no meu dentista o dia todo. Quando chegasse em casa ia ligar pra ele.
Cheguei em casa dei oi pra minha mae e vi que tinha acontecido alguma coisa. A cara dela é altamente interpretável. " O Álvaro.... " e fez tipo que "não" abaixando a cabeça. Perguntei "MORREU? "... Minha mãe fez que sim. Acidente de moto.
Aquele que sentou na minha frente no Engenhão, era meu dentista há 10 anos. Era um pai incansável, que passou o fanatismo botafoguense e a fé a seus flhos. Que era superativo, que foi e sempre será um exemplo de pai. Foi um dos que verdadeiramente apoiou minha família num projeto que quando enfim se tornou realidade ele pode mal comemorar.
Sigo meu caminho com a tristeza do último post. Sigo querendo acreditar que a morte é só o fim da pessoa como matéria e rezando para que a família tenha a força que eu não tenho para entender e aceitar a efemeridade da vida.
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